terça-feira, 1 de agosto de 2023

Adeus a meu pai


Eu tinha todos os motivos (ou pelo menos achava que tinha) para não gostar do meu pai. Ele falava alto, mesmo em lugares públicos, o que me incomodava. Ele nunca conseguia conversar muito tempo sobre algum assunto mais profundo, sempre encerrando a conversa com alguma frase genérica. Ele tinha um gosto, tanto em comida quanto em literatura, cinema, música etc., que sempre achei um tanto elitista e com o qual tinha dificuldade de me identificar. Ele muitas vezes exigia que as pessoas fizessem gestos em benefício dele sem que ele fizesse uma contrapartida, era teimoso, muitas vezes agressivo. No entanto, agora com sua doença e morte, eu percebo que era tudo uma racionalização, eram desculpas.

Na verdade, desde criança, ele marcou a minha vida de maneiras inesquecíveis: compartilhando comigo a paixão pelo futebol, mesmo que eu tenha escolhido um time diferente do dele; me levando de metrô de um final ao outro da linha, simplesmente como um passeio, o que eu adorava; comprando livros sobre assuntos variados que eu dizia gostar, mesmo que depois de um tempo eu deixasse de me interessar por eles. Uma das cenas mais emocionantes da literatura, para mim, é o fim da Ilíada, em que Pátroclo, o rei de Troia, vai até o campo dos adversários gregos para pedir o corpo de seu filho, Heitor, morto por Aquiles. A cena pode ser interpretada de inúmeros maneiras: como uma demonstração de respeito a tradições, aos mortos, como uma espécie de rendição dos troianos, ou como uma punição a Aquiles, que foi longe demais. Mas eu a interpreto, no momento atual, de uma forma mais singela: é uma representação da força do amor de um pai por seu filho, que é tão grande que supera até uma guerra.

Eu amava meu pai e não sei como vai ser viver em um mundo em que ele não existe mais, pois, no fundo, tudo o que eu fazia era para ele, de alguma forma. Para encerrar, cito um de seus autores favoritos, Shakespeare: “To die, to sleep. No more. And by a sleep to say we end. The heartache, and the thousand natural shocks. That flesh is heir to. ’tis a consummation. Devoutly to be wish’d. To die, to sleep— To sleep—perchance to dream. Ay, there’s the rub!”. Durma bem e sem sonhos, meu pai, enquanto existirem pessoas que se lembrem de você, você estará vivo nas memórias delas!

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